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3 de fev. de 2014

Os 'Jogos Vorazes' na arena da vida real

Já falei em outros momentos sobre como demoro para ler os best-sellers que todos amam. Mas o fato é que, cedo ou tarde, sempre os leio. A triologia 'Jogos Vorazes', de Suzanne Collins, não foi diferente.

Aliás, para ser sincera, muito embora tenha lido críticas bastante diversas - desde as negativas, que julgavam a série de mais uma leva de literatura adolescente; até as mais positivas, que se animavam em ver a tal literatura adolescente com tanta sustância -, eu só fui me inteirar mesmo sobre a série depois de muito tempo, quando a adaptação para o cinema do primeiro livro já estava passando na HBO.

Confesso que fui pega de surpresa. E que achei o enredo tão forte e substancioso, que me rendi à leitura. Não devo ter demorado nem duas semanas para devorar a triologia inteira (e olha que quase não tinha tempo para ler). Não só porque o estilo da escrita da autora é daqueles que você não consegue parar de ler, mas principalmente porque a ficção toda tem muito da vida real.


E isso não se resume apenas no aspecto 'pão e circo' da própria Panem, o país fictício onde vivem os protagonistas, governado por uma ditadura mascarada. A vida real entra nas arenas, onde as pessoas - crianças e adultos - lutam como gladiadores uns contra os outros para sobreviver. E apenas um, doas 24 participantes, pode sair com vida. A arena de 'Jogos Vorazes' me lembra, em muito, a escuridão coletiva de José Saramago, em 'Ensaio sobre a cegueira': são esses momentos que podem despertar o pior e o melhor dos seres humanos. É aí que descobrimos quem é do bem, quem é do mal. Vai além da questão da sobrevivência, tem a ver com caráter, com sentimento. 

Outro aspecto que me chamou muito a atenção é a sociedade do espetáculo. O fato de um governo propor que 24 pessoas se matem, anualmente, em uma arena de árduas tarefas se sobrevivência. Que sofram, que passem fome, frio, calor, dor... E, principalmente, o fato de transmitir tudo isso, ao vivo, 24 horas por dia, sete dias por semana, para todo país. Bom, impossível ser mais Big Brother, né?

Na trama, os Jogos Vorazes foram instaurados após uma revolta popular, como forma sutil (#sóquenão) de lembrar os cidadãos de que devem respeitar o presidente e sua forma de governo, sem reclamar.

A população da fictícia Panem, ao longo de todos os 74 anos em que acontecem os Jogos, simplesmente aprenderam a aceitar a situação. E, no caso dos membros da Capital em especial, transformaram aquilo em sua melhor diversão. Nem mesmo quando tudo parecia ter salvação, realmente tinha (em tempo - e sem spoilers - ao contrário de muitos leitores, eu gostei MUITO do final da trama: qualquer outro desfecho não faria jus à verossimilhança com a vida de verdade).


Essa triologia mostra, como poucos livros adultos conseguem fazer, que o poder está acima de tudo. E que a força da população é tão consolidada, que tê-la contra os ideais do governo é golpe na certa. Então, por que não oferecer um pouco de pão e circo para distraí-la? Toda Capital de Panem depende de cada um dos distritos, que por sua vez, dependem uns dos outros. Tudo o que a Capital é capaz de produzir, é luxo, glamour e diversão (?), em um país de miseráveis, analfabetos, famintos e doentes. Parece curioso que quem tem mais poder aquisitivo e vive nas melhores condições, são justamente aqueles que não se sustentam porque dependem dos milhares de cidadãos que se matam - literalmente - para sustentar a ganância e a diversão alheia.

Parece familiar?

Estou certa de que os críticos à literatura adolescente de Suzanne Collins não pararam para refletir, nem por um minuto, o quanto da nossa vida real está escancarada nessa triologia. Concordo que nossos governantes não nos enviam para arenas fechadas. Mas talvez nós todos já vivamos na luta diária pela sobrevivência, mas somos ludibriados pelos 'Jogos Vorazes' que nos distraem dos reais problemas, todos os dias. Afinal, é preciso sobreviver. E aliviar a dor do dia a dia.

Sugiro que antes de criticar 'Jogos Vorazes', pense se você também não vive numa arena da vida real, como participante ou, pior ainda: como espectador. E, então, você também pode perceber qualquer semelhança talvez não seja mera coincidência.

Até lá... Feliz Jogos Vorazes! E que a sorte esteja sempre a seu favor.